Páginas

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Não entregue seu coração a uma criatura selvagem.

Somos seres complexos, fadados a falhar e a amar, na mesma intensidade. Eu sabia disso antes mesmo de saber que eu sabia, eu apenas sabia. Quando eu era mais nova, o amor nunca foi um problema pra mim, eu nunca me importei em demonstrar quando alguém era especial, eu nunca me privei de abraçar alguém ou dizer eu te amo, ou de falar com o olhar. Conforme o tempo foi passando, eu comecei a receber espinhos em troca de flores, eu dava amor e recebia pedras, eu dava carinho e recebia arranhões, eu decidi que mesmo sentindo muito não valia mais a pena me machucar apenas para que o outro soubesse que era amado. Talvez eu tenha me perdido no meio do caminho, talvez eu nunca tenha encontrado um equilíbrio. Dói porque eu passei a ser capaz de não perceber quando o que eu estava recebendo era amor ou fingimento, eu não acreditava mais que alguém pudesse me amar. Meu pais, aqueles que deveriam me amar incondicionalmente, foram os primeiros a me magoarem, eu não encontrava conforto ou calor dentro dos seus braços quando o mundo me virava as costas, eu não tive outra escolha a não ser agir como se eu não precisasse, então. Se eles me vissem como uma pessoa qualquer ali parada em um canto, respirando e sobrevivendo, então tudo bem, eu estava satisfeita. Não conseguia aceitar o fato de parecer fraca por precisar de amor, não conseguia aceitar o fato de ser fraca por precisar de amor. Talvez esse tenha sido o meu problema desde o começo, isso e as palavras horríveis que disseram pra mim na escola porque eu era gordinha e tinha o cabelo cacheado, isso e a forma como a minha vida saiu dos trilhos naquela noite de carnaval, quando eu descobri que eu podia contar apenas comigo mesma. Quando eu comecei a viver fora de mim, e eu vi que existiam pessoas como eu, e que elas se sentiam a vontade comigo, e riam das coisas que eu falava, e se importavam minimamente com as coisas que eu fazia, eu não pude acreditar que elas me amavam, que elas queriam me amar, que elas sentiam orgulho nisso. Eu me via como alguém que não foi feita para receber amor, que era impossível de ser amada. Por isso eu neguei, eu fingi, eu virei as costas. Eu não consegui demonstrar amor pela minha avó enquanto ela estava viva e cada vez que lembro disso eu sinto como se tivesse uma faca cravada no meu peito, e ainda assim eu me sinto vulnerável e frágil e digna de pena quando eu digo que amo alguém, ou quando, com um ato, eu acabo revelando esse segredo. Eu tenho medo do que as pessoas vão pensar quando souberem que eu amo, eu tenho medo de ser dilacerada por amar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário