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domingo, 27 de janeiro de 2019

Então, por que você não me ama?

A realidade sempre foi distorcida para mim, como quando eu acordo e a janela do quarto está aberta e meus olhos doem porque desacostumaram com a claridade, e a luz do sol intensa me faz lacrimejar. Dói toda a minha cabeça. É verdade que o mundo real, a vida real faz pouco sentido pra mim, quase sempre estou vivendo no futuro, nos meus sonhos, eu e a minha ansiedade. Mas é verdade também que tudo o que eu presenciei há exatos 28 dias atrás parece ter acontecido ou sido apenas mais uma das minhas loucas fantasias. Enquanto eu me esforçava pra ler Bukowski, eu ouvia de longe as suas histórias, e você contando como se sentiu quando sua mãe morreu e estava em alto mar e simplesmente não pôde fazer nada. Eu senti na minha pele a sua impotência, o seu medo, a sua tristeza. Por aquele dia, eu me esqueci das coisas ruins que você já fez pra mim, das palavras feias que já saíram da sua boca e penetraram os meus ouvidos, eu esqueci que você era meu pai e apenas te vi como um homem, um ser humano semelhante a mim, com falhas e erros e defeitos. Eu senti raiva de mim mesma por todas as vezes que culpei você quando as coisas deram errado na minha vida, eu simplesmente tirei de você toda a culpa que eu havia colocado, e pensei o quanto eu havia sido injusta com você durante todos esses anos. Até mesmo quando ela disse pra mim que você nos amava, só não sabia demonstrar. Eu lembrei de coisas que eu ouvi na infância, que você teve uma vida triste, longe do pai, a mãe com todos aqueles problemas, e os irmãos, e os tios e a família toda problemática e então eu perguntei a mim mesma: como uma pessoa que não recebeu amor saberia como dar amor? A resposta veio rápido: ela não sabe. Você não soube, apesar de tudo você não soube não repetir o mesmo erro das pessoas da sua vida, do seu pai, dos seus avós, dos seus primos. Você não soube usar da empatia e se colocar no lugar de filho que não é amado quando você mesmo foi um, como você não pôde? Sim, eu te abracei primeiro, antes de tudo e de todo mundo, porque eu estava sofrendo por você, sofrendo a dor de filha e a dor de um pai, ao mesmo tempo. Eu te abracei e quando você disse que me amava, eu disse eu também mesmo não conseguindo segurar seu olhar por muito tempo. E depois contando pra ela, eu senti orgulho por aquele momento, eu pensei que eu lembraria para sempre dele como um divisor de águas. A partir daquele momento, nossas vidas seriam diferentes, você pensaria em mim como uma filha e não como uma coisa qualquer que mora debaixo do seu teto, mas então por que continuamos falando menos de meia dúzia de palavras um com o outro quando compartilhamos um momento tão especial, tão bonito? Você chega em casa e eu digo: benção, pai, e você diz: deus te abençoe, e é só isso. Cada um vai para o seu lado e aquele abraço nunca aconteceu, aquele eu te amo nunca foi dito. Eu sei que, dessa vez, foi real, mesmo que pareça um sonho distante ou uma realidade impossível. Mas nós nunca soubemos viver um para o outro e um abraço nunca poderia mudar o que nós somos. Você é você, e eu sou eu. Nós nunca viveremos o nosso sonho, só a nossa verdade cruel e amarga.

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